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A realidade fora dos estádios

As discussões sobre sexualidade tentam adentrar o futebol, mas ainda enfrentam o conservadorismo do esporte mais popular do mundo.

Mosaico feito pela torcida do Watford // Foto: Twitter (@ProudHornets)

Troy Deeney, atacante do Watford – da Inglaterra, recentemente disse, em entrevista, que existe ao menos um jogador homossexual ou bissexual em cada clube de futebol. A fala do jogador veio acompanhada de outra afirmação, a de que caso esses atletas assumissem sua sexualidade ainda na ativa, outros seguiriam o mesmo caminho, e isso poderia impactar beneficamente o cenário do futebol. A opinião de Troy ajuda a romper ainda mais o estigma existente no futebol masculino na questão da sexualidade e da LGBTfobia. No futebol feminino, a dinâmica parece ser outra, com inúmeras atletas que reafirmam suas posições dentro da comunidade LGBTQ+, objetivando tornar o ambiente futebolístico um espaço de aceitação. Enquanto Megan Rapinoe, Pernille Harder e Cristiane jogam luz nessa questão tão enraizada no futebol e inspiram uma geração de atletas a aceitarem e expressarem livremente suas sexualidades, é difícil encontrar um personagem similar na porção masculina.

No dia 28 de junho, quando é comemorado o Dia do Orgulho LGBTQ+, diversos clubes, especialmente brasileiros, postaram imagens em apoio ao movimento e reafirmaram seus compromissos com a luta contra o preconceito. O comportamento das instituições é necessário, mas ainda se mostra insuficiente para o cenário geral marcado por cantos homofóbicos nos estádios e a perpetuação do tabu acerca da discussões sobre a sexualidade. Um exemplo não tão recente, mas emblemático, foi o caso do jogador Richarlyson. Em 2007, um dirigente do Palmeiras afirmou que o atleta era homossexual e isso se tornou uma enorme polêmica. Na época, Richarlyson retrucou que aquilo não era verdade e prestou queixas contra a figura palmeirense. A confusão ainda se intensificou quando o juiz Manoel Maximiniano arquivou o processo, justificando que o que não era razoável era a aceitação de homossexuais no futebol, pois, de acordo com ele, isso prejudicaria a uniformidade do pensamento da equipe. Atualmente, Richarlyson não acredita que a problemática do passado tenha influenciado negativamente sua carreira, mas em 2017 – dez anos após o episódio – o atleta foi apresentado no Guarani sob protestos dos torcedores.

O caso de Richarlyson é um marco importante que precisa sempre ser lembrado. Um atleta LGBT das categorias de base que acompanhasse o desenrolar do processo, pensaria duas vezes antes de assumir publicamente sua sexualidade. O público conservador e os clubes se isentando da responsabilidade de propiciar um ambiente seguro são fatores impeditivos para que mais atletas se coloquem sob esses holofotes. Isso significa, portanto, que a razão para que não haja grandes figuras masculinas futebolísticas no país, e talvez no mundo, abertamente LGBTs é o medo do preconceito. E foi isso que Troy Deeney buscou atentar, mas sem o alcance esperado. O próprio Reino Unido, onde joga Troy, é origem de uma das histórias mais absurdas do futebol.

Falar sobre homofobia no futebol e não mencionar Justinus Fashanu é apagar sua narrativa dos livros. Conhecido popularmente como Justin, ele foi um jogador inglês da década de 80. Suas habilidades para marcar gols chamou a atenção do Norwich City, que deu uma chance ao jovem de 17 anos. Em pouco tempo, o atleta se valorizou e foi vendido ao Nottingham Forest, tornando-se o jogador negro mais caro da história na época. Com 20 anos, comentários acerca de sua sexualidade foram se tornando mais constantes e chegaram aos ouvidos de Brian Clough, lendário técnico do Forest. Brian lidou da pior maneira possível, dando pouco espaço para que Justin evoluísse, até que impediu o jovem de treinar com o restante da equipe. O declínio da promissora carreira de Justin foi justamente em Nottingham, do qual saiu por empréstimo. Ele atuou em diversos clubes, ingleses e americanos, sem conseguir se firmar, tendo a sua vida privada mais comentada do que suas aparições em campo. As especulações sobre sua sexualidade só foram confirmadas pelo atleta em 1990 ao ter uma declaração publicada pelo tabloide “The Sun”. Ele tornava-se ali o primeiro atleta de futebol a assumir publicamente a homossexualidade enquanto jogava profissionalmente. A pressão sofrida por Justin apenas aumentou, assim como a revolta de clubes e torcedores. Oito anos após marcar a história do futebol com sua bravura, Justin cometeu suicídio.

Justinus Soni Fashanu com as cores do Norwich City // Foto: Twitter (@ncfcbr)

A vivência de Justinus Fashanu deveria ser tomada como exemplo para que injustiças assim não se repitam. Alguns jornais da época elogiavam o jovem Justin, prevendo até que ele se tornaria um nome importante para o futebol inglês da década de 1980. E a sexualidade dele se tornou uma obstrução em seu futuro possivelmente brilhante.

Uma das maneiras de compensar a memória de Justin e ajudar os indivíduos, que ainda temem represálias por conta da sexualidade, é a promoção de projetos de inclusão. É com o intuito de combater o preconceito e proporcionar um ambiente seguro aos atletas LGBT que Magdalena Eriksson e Pernille Harder, o casal de jogadoras que viralizou na última Copa do Mundo Feminina, apoiam a iniciativa Play Proud (“Jogue com orgulho” em tradução literal). A proposta busca também ensinar técnicos a incentivar seus atletas, gerando autoconfiança e promovendo segurança. Dentro de campo, Eriksson e Harder são figuras marcantes que têm alcançado feitos expressivos em suas equipes; fora do estádio, elas tomam a dianteira, junto à ativista/jogadora Megan Rapinoe, no combate à LGBTfobia. Dessa forma, um projeto tão simples poderá beneficiar enormemente a vida de incontáveis adolescentes que sonham com uma carreira profissional sem reprimendas.

Registro na Copa do Mundo 2019 // Foto: Instagram (@pharder10)

Se cada post com bandeira colorida significasse também punição aos cânticos obsoletos ou o estímulo a debates sobre sexualidade, talvez pudéssemos esperar um futuro mais inclusivo no futebol. Enquanto os clubes optarem por estampar frases bonitas na camisa ao invés de lançar medidas eficientes de combate, o preconceito continuará machucando torcedores e ensinando o jovem atleta a mentir sobre a maior verdade de seu caráter.

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