As camisas de times adotam valores maiores do que somente os do clube de coração.
Atleta Shanice Van de Sanden // Foto: Instagram (@nikefootball)
Todos os torcedores do esporte desejam, ao menos uma vez, a blusa do time do qual é fã. A camisa, muitas vezes personalizada, intensifica a sensação de compartilhamento com os jogadores que as representam. E é tão bonito ver multidões nos estádios usando blusas parecidas, beijando os escudos e apoiando os atletas. Na mesma dinâmica, corre a identificação com as blusas das seleções. Em jogos do Brasil, quando ainda se podia assistir às partidas no estádio, a imensidão de amarelo-canário tomava as câmeras e nos enchia de orgulho.
E mais do que ajudar os torcedores a se agruparem nas arquibancadas, a camisa de timese mostra fundamental na receita de um clube. Em 2019, a camisa mais vendida no mundo foi a do Real Madrid com 1,4 milhão de exemplares ao ano. Além de gerar um lucro interessante para o clube, esse artigo ainda evidencia o alcance da marca e sua influência, avançando por terras estrangeiras e solidificando o imaginário de tantos que sonham em vestir profissionalmente o uniforme merengue. Para quantificar o impacto da venda desse material esportivo, contudo, nem é preciso ir até a Espanha. O Atlético Mineiro, recentemente, lançou um concurso de design da blusa com o vencedor escolhido por voto popular na internet. O “Manto da Massa” movimentou as redes sociais, fomentando expectativa nos torcedores. O projeto de Flávio Markiewicz bateu a marca de 100 mil unidades vendidas, promovendo um montante acima de R$19 milhões. De acordo com o presidente do clube mineiro, parte do lucro será destinada ao combate do Coronavírus.
Entretanto, um item tão simbólico e importante aos clubes nem sempre foi tão acessível; não somente pelo preço de aquisição, que afasta torcedores do item original, mas pela disponibilidade ao público não-masculino. Por décadas, não houve blusas feitas especialmente ao corpo da mulher. E ainda mais longevo foi a ausência de camisas das seleções femininas. Apenas em 2015, a Nike lançou um uniforme especialmente projetado para as atletas do time brasileiro; anteriormente, as mulheres utilizavam cópias da equipe masculina. A blusa, no entanto, não foi comercializada, pois a empresa não acreditava que haveria demanda. Após quatro anos, a mesma companhia disponibilizou designs originais para diversas seleções femininas ao redor do mundo e promoveu o comércio dos artigos. Foi então registrado um aumento de 200% nas vendas desse tipo de uniforme. Como forma de homenagem, a frase “Mulheres guerreiras do Brasil” apareceu estampada na blusa oficial. Com maiores investimentos na modalidade, as fornecedoras de material esportivos deverão olhar com mais atenção aos consumidores, assumindo parte do incentivo aos admiradores do esporte.
Imagem de divulgação dos uniformes para a Copa do Mundo 2019 // Foto: Instagram (@nikefootball)
Por outro lado, a cada ano, são lançados uniformes masculinos com artes elaboradas e criativas, tentando superar as edições anteriores. A camisa da seleção brasileira, tão tradicional no cenário futebolístico, porém, não se resume apenas a ele. Desde 2014, com as manifestações pró-impeachment da então presidente Dilma, a blusa canário foi apropriada por um setor dito patriota e conservador do país. Se antes o uniforme amarelo era associado ao fantástico time de Pelé, às conquistas da taça mais cobiçada no mundo e ao celeiro mundial de craques, hoje o ícone se dissipou por quase completo, sendo entendido como uma extensão de uma visão política. O resgaste de um artigo tão simbólico aos brasileiros se mostra necessário antes que o orgulho desse manto se esgote inteiramente. A apropriação do item é um tanto contraditória se olharmos com atenção para o discurso vigente de que “futebol e política não se misturam”. A fala é tanto repetitiva e cansativa quanto falsa. Futebol não existe sem política, que é intrínseca aos esportes em geral. E isso não é opinativo, mas sim factual. Dentro dos clubes, é possível ver seus posicionamentos com a política brasileira. Um exemplo fresco é a movimentação dos presidentes de Flamengo e Vasco com Jair Bolsonaro, Presidente da República, para o retorno do Campeonato Carioca. Enquanto se prega que jogador não deve dar opinião em assuntos que fujam das partidas e dos treinos, os dirigentes marcam encontros com políticos para conversas variadas. E assim, o aspecto sentimental e liberto das blusas de seleção se arrasta pelo tempo, batalhando para perseverar em meio às crises políticas do país.
Todavia, não é justo privar um torcedor de vestir a camisa da qual ele tão se orgulha. Tendo isso em vista, ações como a do Fortaleza, no ano passado, demonstram a atenção e sensibilidade da instituição. O time promoveu uma nova linha de produtos, visando atingir ao setor menos favorecido de seu público, com preços populares. Os camelôs, que atuam ao redor da Arena Castelão, ficariam responsáveis por vender essa nova camisa por R$60. A atitude ainda busca desencorajar a aquisição de artigos pirateados e, para isso, oferece o desconto de R$ 10 para o indivíduo que levar a camisa não original no momento da compra da nova.
Divulgação da blusa sem escudo bordado // Foto: Instagram (@fortalezaec)
O futebol não está isolado na sociedade. O esporte mais popular no Brasil é permeado por ramos variados, seja política, comércio e até mesmo educação. Os assuntos debatidos constantemente na comunidade devem ser repetidos nos estádios. O que vemos em campo é fruto não só de talento, mas de consequências de inúmeras ações, que por vezes não presenciamos. Usar uma camisa de time é mais do enfeitar seu corpo; é assumir ideologias e se posicionar em discussões maiores do que birras entre rivais. Carregar um escudo no peito requer mais do que somente paixão por uma instituição, é necessário consciência sobre o que ocorre fora das arquibancadas.
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